A cotação do cacau disparou nos últimos dois anos, saindo da casa dos 2 mil dólares a tonelada para atingir picos superiores a 12 mil dólares em 2024 — uma alta mais volátil que a do bitcoin. Essa escalada histórica tem reflexos em toda a cadeia produtiva do chocolate: do produtor rural às gôndolas do supermercado. E para o consumidor final, o impacto é inevitável.
“É um momento histórico no mercado do cacau e, consequentemente, do chocolate. A principal causa é a escassez da oferta na região que responde por mais de 70% da produção mundial — o oeste africano, especialmente Gana e Costa do Marfim”, afirma Matheus Pedrosa, CEO da Fralía Cacau Brasil e presidente do Conselho de Tecnologia e Inovação da FIEMG. “São lavouras antigas, afetadas por doenças e mudanças climáticas severas. O problema era previsível, mas ignorado por muito tempo. Agora, a realidade chegou até nós.”
Margens espremidas, fórmulas ajustadas – A disparada dos preços impõe um dilema às empresas: repassar totalmente o aumento ao consumidor e arriscar a queda nas vendas, ou segurar preços e comprometer as margens. Aline Palmiro, sócia fundadora da Java Chocolates, descreve o impacto: “A alta do cacau encarece a produção, mas a elasticidade de preço não nos permite repassar integralmente esse aumento ao consumidor. Enxugamos margens, ajustamos o portfólio e criamos alternativas, como chocolates com menor teor de cacau e embalagens menores para a Páscoa. É um desafio que exige austeridade e criatividade.”
Na prática, isso se traduz em menos variedade, chocolates mais recheados e menor gramatura — tudo para manter a experiência sem estourar o bolso. Ainda assim, os desafios são muitos. “Perdemos produtores de cacau fino que preferiram vender como commodity. É mais fácil e, neste cenário, mais vantajoso. E quando o elo mais frágil da cadeia — o produtor — quebra, todo o setor sofre junto”, afirma Palmiro.
Efeitos na indústria de sorvetes – O setor de sorvetes também sente o impacto. O cacau é amplamente usado em coberturas, bases e recheios. Wander de Carvalho, presidente do SindSorvete-MG, explica que a pressão é generalizada: “Algumas indústrias seguraram os preços por um tempo, mas chegou a hora do reajuste. As empresas estão trocando o chocolate por blends mais baratos, tentando evitar o repasse total ao consumidor. Mas sabemos que mais aumentos devem vir na próxima temporada.”
Plínio D’Angelles Frabetti, da fornecedora Food Base, reforça: “O impacto está represado, mas inevitável. A qualidade de alguns produtos já começa a cair por conta das substituições. A tendência é de reajustes entre 30% e 50%, principalmente no segundo trimestre de 2025.”
André Ribeiro, da Ice Bom, já prepara mudanças em formulações e insumos, enquanto Francisco Melo, da Yze Ice, afirma que o repasse é certo, mas ainda depende do fim dos estoques antigos.
Nova realidade e reconfiguração do setor – A cotação do cacau deve continuar alta por pelo menos três ou quatro anos, até que novos plantios consigam reequilibrar a oferta global. É uma nova realidade que obriga toda a cadeia a se adaptar. “Estamos vivendo uma reconfiguração da cadeia global do cacau. A crise expõe vulnerabilidades, mas também abre espaço para o crescimento de novos mercados, como o Brasil”, afirma Pedrosa. A Fralía, por exemplo, vai inaugurar em 2025 uma nova fábrica em São Gonçalo do Rio Abaixo, com capacidade três vezes maior que a atual.
Na Java Chocolates, a aposta é na transparência e no vínculo com o consumidor. “Desde o início da crise mantemos um post atualizado no nosso blog explicando a situação. Acreditamos que o valor do chocolate vai além do cacau. Ele está na experiência, no prazer e na conexão que proporciona”, diz Palmiro.
Apesar da crise, o otimismo persiste. “O setor já enfrentou outras tempestades e se reinventou. Vamos passar por essa também — com criatividade, parceria e coragem para continuar criando”, conclui a gestora da Java Chocolates.
Denise Lucas
Imprensa FIEMG